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Maarten Janssen, 2014-

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1663. Carta de frei Cristóvão do Rosário para um inquisidor.

Autor(es)

Cristóvão do Rosário      

Destinatário(s)

Anónimo446                        

Resumo

O autor indica em pormenor todos os indícios que o levam a pensar que um cristão-novo que quer voltar a Portugal se converteu realmente ao catolicismo.

Texto: -


[1]
 carta de VSa de 3 de julho que me foi dada em 15 25 de setem-bro, respondi em 29 do mesmo mes, ou 9 de outubro entregando a carta ao Embaxador marques de sande, pella qual via tinha recebido esta de Vsa.
[2]
elle me significou depois de partido o pro pataxo
[3]
como com a doenca da Rainha lhe esquecera de a mandar nelle, po-rem que a determinava mandar por hum navio que esta pa ir ao porto,
[4]
e avisandome de que avia agora outro pa essa cidade, e pro-metendome de que mandaria esta carta no masso d el Rei, a faso tornando nella a dar conta do negoceo que Vsa me Encomendou cerca de simão gomes d almeida.
[5]
depos que tive a carta de VSa esperei por elle, porque tinha asentado comi-go de me traser este papel, (que aqui mando, e mandei outro na carta que esqueceu) pa eu o mandar a Vsa antes da carta de VSa me chegar
[6]
e sabendo o interecado della do zelo com que VSa lhe acudia, com lagrimas nos olhos deu muitas gracas a ds, experimentando a grande misericordia que com elle se usava.
[7]
direi o que com este homem, antes, e depois desta carta tenho pasado.
[8]
Veyo aqui ha tempos a buscarme com huã carta do conde de ponterve, na- qual lhe disia o dito conde, que VSa tinha remettido o seu negoceo a mim e ao mestre frei Antonio de s bernardino
[9]
respondemoslhe, que tal ordem não tinhamos, e não obstante isto, propos elle o dito negoceo, de como fugira desse Reino, por temer ser preso no sto officio por testemunhos falsos de pessoas que estavão presas,
[10]
e que chegado a esta terra vivera sempre como christão, e que se elle fora judeo de antes, o não fora depois que nestas partes alcansou as parvoises, e maldicois que crião os judeos;
[11]
e que ainda que elle e sua molher podião aqui viver christam, e catholicamente, não obstante as muitas instancias, que os judeos, assim os daqui como os de olanda lhe fasião pa elle ser judeo,
[12]
contudo que tinha tres filhinhos, dos quais temia que pello tempo adiante se aqui se criassem se perdessem infalivelmente,
[13]
e que por Esta resão desejava tronar com sua casa pa portugal,
[14]
em tanto, que pello conde de ponterve, quando daqui por fin escrevera a VSa que suposto elle nunqua fose judeo, con-tudo, que se fose necessario se levantaria ahy testemunho de que o tinha sido pa contestar com as testas que tinhão dado nelle, E que com a seguranca de que o não avião prender, nem castigar em auto publico iria a esse Reino faser sua confisão,
[15]
E que estava espantado do conde lhe es-crever que nos vinha a mim e ao mestre fr Antonio commettido este negoceo, e nos lhe disermos que não tinhamos tal comissão.
[16]
dissesmolhe como na verdade a não tinhamos, e o animamos a conservar sempre a fe, e procedimento catholico:
[17]
e eu lhe acrescentei, que na forma Em que elle tinha escritto offendera muito o sancto officio, porque como escrevera que confessaria o que não tinha feito esse sancto tribunal nenhuã cousa estranhava e castigava tanto, como o não lhe falarem toda a verdade lisamente que por nenhum modo avia confessar o que não tinha sido;
[18]
E que assim disse muito a deus que o encaminhasse, que se Estava innocente, deus lhe abriria caminho a seu bom intento.
[19]
com isto se foi e por alguas veses veyo a esta casa a saber se nos era chegada alguã ordem de VSa sobre o seu negoceo mostrando senpre notaveis ansias de se ver em portugal pa tratar de sua salvacão e da de sua casa affirmando sempre que nunqua fora judeo, abominando tal cegueira, e disendo que se a tivera dantes a não teria depois que conheceo bem a maldicão e toliçes de tal crenca.
[20]
Veyo ao depois com segunda carta do conde de ponterve que me mostrou, na qual lhe disia o conde que falase comigo, que a mim me vinha Remettida ao de VSa
[21]
como eu a não tinha, disialhe sempre o mesmo, estimando de o ver alguãs veses na cappella da Rainha ainda em dias de bolsa,
[22]
nella o vi do pulpito o octavo dia de nossa snra da Asumpsão, e logo taobem no seguinte domingo nas vesporas, e me pediu que lhe quisese dar huã palavra porque andava com grandes desenquietacois de sua conciencia.
[23]
eu lhe disse, que por ventura a dos senhores inquisidores diria ao conde que falasse elle simão gomes aqui comigo, não por eu ter ordem alguã, senão pello eu poder encaminhar melhor nesta materia,
[24]
E assim que com toda a clareza me falasse nella, pa que eu lhe disesse o que mais lhe conviesse.
[25]
disseme que elle não escrevera a VSa toda a verdade, porque negava que elle sido judeo, e que elle o tinha sido, porque assim lho ensinou seu pai, que judeo foi em portugal, e que judeo chegou aqui,
[26]
porem que lendo ao depois que chegou a esta terra alguns livros judaicos, e sabendo mais o que os judeos crem, e , lhe abrira deus os olhos, e fora tal a aversão de semelhante crença, que logo comesara a fazer contas consigo de que vivia enganado, e tratara de viver como bom christão muito de coracão, porque se assim não fora, elle estava huã terra livre;
[27]
e porque assim os judeos daqui como de olanda, aonde dis tem parentes, lhe comesarão a faser grandes instancias pa viver como elles vivião, proposera de se ir pa portugal, porque ainda que aqui elle, e sua molher podião viver catholicamente, seus filhos que aqui se avião criar, se elle qua fiquasse se avião infalivelmente faser judeos, pello que quando daqui se foi o conde de ponterve de ponterve tratou deste seu intento escrevendo por elle a VSa na forma Em que escreveo,
[28]
porem que agora queria escrever noutra confessando toda a verdade,
[29]
e que quer ir pa confessar todas as suas culpas, e tudo quanto tem feito e sabe nessa Mesa pa sua salvacão, da sua molher, e seus filhos que dis ser o mais velho de oito annos
[30]
e que elle me daria aviso das primeiras em-barcacois pa elle mandar por minha via a VSa outra carta nesta forma
[31]
e com esta resolucão se despidia de mim hum domingo a tarde depois do ouitavo dia da assumpsão que qua se celebra pella conta antigua
[32]
depois me veyo ver duas outras veses com grande satisfacão da resolucão que tinha tomado,
[33]
e na ultima vez me avisou de que naquella somana avia navio pa portugal, e que me traria a carta de VSa pa ca a mandar por minha via
[34]
Neste interim me Entregou o Embaxador a carta de VSa, e eu esperei que elle viesse, como me tinha prometido
[35]
E como veyo, pa lhe mostrar o favor o favor que VSa lhe fazia, que elle recebeo com lagrimas nos olhos, e com notavel alvoroco ja trasia a carta feita,
[36]
e eu lhe desse que acresentasse hum capitulo nella Em que agradecesse a VSa a misericor-dia que com ella se negava, e emendasse esse ponto dos quarenta mil reis, que elle dis pusera com boa tenção.
[37]
propus a este homem o quanto me parecia dificultosa huã das condicois que aponta pa ir, qual he o não sair em auto publico.
[38]
respondeume que por nenhum modo veria nesta penitencia, porque elle nunqua fora judeo pu-blico, nem aqui procedera como tal, que sempre devia conservar a fama de que vivera como christão porque determinava viver em Lxa, e nella meter suas filhas em religião, ou casalas com pessoas christans velhas
[39]
e assim que neste ponto de sair a publico, por mais que lhe representei o quanto devia cortar por tudo pa sua salvacão não pude acabar com elle cousa al-gua,
[40]
dis porem que se por falta deste favor que elle espera desse sancto tribunal, for tal a sua desgraça que se não va pa esse reino, que vivera neste como os mais catholicos nelle vivem, e fara quanto em si for, que seus filhos vivão na fe catholica, ainda q o perigo he grande pa elles;
[41]
que elle e sua molher resolutos estão a nunqua a largarem, por mais com-bates que tenhão.
[42]
faleilhe acerqua de sua molher.
[43]
Respondeume que as molheres seguem os maridos, e que a sua estava na mesma resolucão de se acusar nessa mesa.
[44]
na tarde Em que se resolve a escrever nesta forma, pa me representar a forsa que os judeos lhe fasião pa elle taobem o ser, principalmente os de Olanda aonda dis ter parentes me mostrou hum escrito, encobrindo os nomes que vinhão abaixo assignados, Em o qual lhe disião estas palavras.
[45]
vai terceiro aviso a Vm pa ser qual deve ser,
[46]
leia esse papel, e se tiver alguã duvida pode mandala diser pa se lhe satisfaser.
[47]
O papel era huã folha em portugues e o lugar e o lugar do sinal de quem o tinha feito, estava ja cortado,
[48]
continha huã pregacão que algum rabino lhe fasia, em que o reprehendia muito de que tendo elle o sangue dos judeos o não era, e o grande escandalo que com isto dava,
[49]
e que so a lei de moises era verdadeira,
[50]
que abrisse os olhos pa ter a lus de deus com a sua lus como disia o profeta,
[51]
e que se não fosse judeo avia vir sobre elle a maldicão de corê e ulbiron,
[52]
e assim outras parvoisses como estas continha o dito papel,
[53]
e disse que como aquelle, lhe tinhão ja mandado outros, mas que nenhum abalo lhe fasião, nem lhe avião faser com o favor de deus, que tudo guardava pa mostrar nessa mesa.
[54]
o homem he sesudo, de bastante juiso, anda vestido, e bem vestido, e dis ter aqui tanto negoceo como os demais,
[55]
e que se não quer ir por falta alguã, mais que por sua salvacão e da sua casa, e familia,
[56]
e affirma a não ha de misturar por nenhum modo com esta gente, pa que nelle e seus filhos se acabe a maldicão
[57]
são palavras suas, de sua geracão.
[58]
sempre falou comigo na mesma igualdade tirando o que encobriu no tempo referido, abominando sempre o desaforo dos judeos portugueses que aqui mo-rão,
[59]
e de nenhum mostra ter satisfacão na materia de fe ainda que no esterior a professem como duarte da sylva e gomes Rodrigues, mais que de fernam men-des da costa.
[60]
disseme que hum seu irmão estava preso no sancto officio
[61]
, e que este seu irmão fora judeo como elle foi porque assim os ensinou seu pai.
[62]
dis que como for a essa mesa como espera lhe ha de dar muito importantes noticias, e VSa ha de esperimentar o quanto seu animo esta, e ha de estar sempre contrario ao judaismo.
[63]
mostra ter escessivo alvoroco de faser esta sua confissão, e he grande a confianca que mostra ter em deus de VSa lhe faser o favor que pede,
[64]
e ainda antes de Vsa me escrever tinha esta confianca, disendo que lhe não pode deus faltar com o remedio, e usar com elle de misericordia pois lhe abriu o Entendimento pa conhecer a verdade com aquillo mesmo com que os outros mais se embaração,
[65]
e que taobem elle podia seguir a mesma perdicão em que dantes estava se a misericordia divina não fora,
[66]
e por isto esta muito confiado nella que lhe não ha de faltar neste seu intento.
[67]
eu confesso a VSa que tenho dado gracas a deus por me parecer que este homem deveras se converteo,
[68]
poder me hei enganar, mas a sua perseveranca muito anima,
[69]
e se pella conversão de qualquer alma devemos faser muita estimacão, este pobre homem se deveras se converte muito se deve estimar a por sua melhora, como por verem caminho aberto a podela ter, aquelles que sendo tão perdidos como este foi, a quiserem alcansar.
[70]
VSa fara o que for mais servico de nosso snr que guarde a VSa
[71]
Londres 1 de novembro 1663
[72]
fr Chstovão do Rosro
[73]
a propia carta de VSa tenho mandado na primeira reposta.

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