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Maarten Janssen, 2014-

Visualização das frases

[1600]. Carta de Francisco Correia da Silva, criado, para Dom Vicente Nogueira, cónego da Sé de Lisboa.

ResumoO autor diz ao destinatário que ele é o responsável pela sua desonra e que se foi embora levando o seu dinheiro. Avisa-o ainda de que o desonrará publicamente se ele denunciar o caso.
Autor(es) Francisco Correia da Silva
Destinatário(s) Vicente Nogueira            
De Portugal, Lisboa
Para S.l.
Contexto

Por casualidade, os familiares do Santo Ofício que andavam no encalce de um tal Gaspar Ribeiro junto à ribeira da praia de Buarcos encontraram numa fragata um mancebo que agia de modo suspeito. Ao ser preso e revistado, encontrou-se em poder de Francisco Correia da Silva (TSO, IL, proc. 1943) uma carta, da qual se lavrou uma certidão, constante no processo do cónego Vicente Nogueira (TSO, IL, proc. 4241, fl. 20v). Ali se certificava ter sido encontrada numa algibeira de Francisco, não contendo sobrescrito e não mostrando ter sido fechada. No seu depoimento, o preso alegou que ia para o Porto a fim de ir ter com um seu irmão que estava ao serviço do bispo daquela diocese. Quanto à carta achada nos seus pertences, as circunstâncias apontavam que aquele jovem "a levava feita para a mandar ao reverendo Vicente Nogueira", depois de lhe ter fugido dia de St.ª Catarina de manhã, levando consigo 56 mil reis, além de uns quantos trastes, entre os quais se contavam as chaves do escritório que lhe furtara da algibeira. Ao saber que Francisco Correia estava preso naquela inquisição, o cónego remeteu um requerimento, reclamando a restituição daquela quantia (TSO, IL, proc. 4241, fl. 23r).

Vicente Nogueira fizera, na verdade, a primeira confissão de culpa de sodomia perante aquele tribunal aos 28 anos, correndo o ano de 1614, sendo à data um clérigo de missa em Coimbra, remontando os factos confessados a 1607. Tornou a apresentar-se voluntariamente a 27 de novembro, 2 e 17 de dezembro de 1630, sempre muito solícito e cooperante. As duas cartas escritas por si datam, como se observa, antes da sua prisão, decorrida a 17 de junho de 1631. A que se encontra no fólio 73r fora entregue àquele tribunal inquisitorial através do padre Álvaro Pires, fazendo-se nela referência a um seu pajem, João Garcês ‒ "um mancebo ao parecer de vinte e dois anos, alto do corpo, a quem começa a barba, hábito de estudante comprido”. Na verdade este documento reflete as diligências do cónego face às muitas denúncias que corriam contra si na Inquisição de Lisboa, imediatamente após a prisão daquele seu jovem criado Francisco Correia, a 25 de novembro de 1630.

Torna-se evidente estarmos perante uma prova deliberadamente fabricada, planeando-se a sua entrega aparentemente casual, respondendo à prática habitual de apreensão de escritos por parte da inquisição. Se era suposto aquela carta cair na posse do Santo Ofício, o mesmo não se aplicava a outro documento igualmente dirigido ao padre Álvaro Pires (TSO, IL, proc. 4241, fl. 74), onde o autor coloca às claras os seus intentos. Ali se esclarece, com detalhe, o seu plano: discrimina aspetos a serem explicitamente tratados pelo padre Álvaro Pires, assim como por ele próprio, procurando articular esforços e combinar todas as estratégias para mascarar a verdade não revelada (como a memória do estudante de latim no colégio dos jesuítas, João Garcês, reportando-se os factos ao tempo em que era pajem daquele cónego). Muito embora pudesse incorrer no impedimento do reto ministério do Santo Ofício, além de violar o segredo de justiça e ser evidente ter feito confissão diminuta, na verdade a justiça inquisitorial tendeu a desvalorizar ou a tecer uma diferente interpretação daquelas provas documentais, particularmente focada nas suas confissões voluntárias.

Cumpre assinalar a existência de vasta bibliografia acerca do seu espólio bibliográfico e da sua correspondência, de que destacamos a compilação revista e atualizada em Serafim, João Carlos Gonçalves e José Adriano de Freitas Carvalho (2011), Um Diálogo Epistolar: D. Vicente Nogueira e o Marquês de Niza (1615-1654), Porto, CITEM/Edições Afrontamento.

Suporte uma folha de papel escrita em ambas as faces.
Arquivo Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Fundo Inquisição de Coimbra
Cota arquivística Processo 1943
Fólios 6r-6v
Socio-Historical Keywords Tiago Machado de Castro
Transcrição Tiago Machado de de Castro
Contextualização Tiago Machado de Castro
Modernização Sandra Antunes
Anotação POS Clara Pinto, Catarina Carvalheiro
Data da transcrição2013

Texto: -


[1]
Não tem vm de que tomar paixão Alguma pella grande descortezia q cometi em largar todo o meu remedio e me ir por este mundo porq mais quero padecer Trabalho e mizerias do q ser dezonrado ainda q por fazer isto q fis o ei de ser:
[2]
Vm cuide q nunqua me vio nem me conheceo e asim não faça cazo disto q lhe levo que cuido o não fara e nem o descubrira ao ldo
[3]
e quando de todo en todo vm quizer precurar Alcansarme pa me fazer dar castigo vou pa setuval aonde estarei huns dias mas poucos
[4]
mas eu entendo se não querer Vm desomrar
[5]
e não cuide que he pequena a que a de ter porq eu sou hum d moço que se me da pouco da vida
[6]
e dase me pouco a padeser deshonra quando for forçado
[7]
e vm darselhe ha mto q se saiba o q eu sei de vm porq tenho quem queira ser minha testemunha pello q deve vm de querer dar pouco motivo nisto q digo e dar mtas graças a Ds de me ser ido porq me avizaram q em tres annos q estive nesta cidade sabese mto de mim e dous dos q estão presos e mtos q temo q An de prender
[8]
foi mto estragado e bem mto mal acomselhado em me aseitar em seu serviço e comportando de q tão pouco conhecia
[9]
torno a pidir a Vm não dee a falar a nimgem nada senão q lhe tinha pidido licença pa ir a setuval e q divia de ir lla
[10]
e não queira deshonrarme pa ser mto deshonrado Nosso Senhor
[11]
Franco Correa da Silva q numqua o fora nem conhecera a casa de Vm

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