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Maarten Janssen, 2014-

PSCR0529

1781. Carta de José de Saldanha, militar, geógrafo e astrónomo, para a sua mulher, Mariana Efigénia da Fonseca Pereira.

SummaryO autor conta à esposa as suas ocupações no Brasil, explicando a situação que ocorreu com o envio do dinheiro e deseja as suas melhoras de saúde.
Author(s) José de Saldanha
Addressee(s) Mariana Efigénia da Fonseca Pereira            
From América, Brasil, Rio Grande do Sul, Rio Pardo
To Portugal, Lisboa
Context

As cartas são escritas pelo réu do processo, José de Saldanha. Estando viva aquela que alegava ser a sua primeira mulher, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira, para quem enviou as três cartas transcritas, casou com D. Ana Joaquina Tomásia, pelo que foi acusado de bigamia pela Inquisição de Lisboa. O seu processo trata apenas de diligências de averiguações contra o presumível réu, por assento da Mesa de 30/06/1807, pelo que foi ordenado que os seus autos subissem ao Conselho Geral para deliberação.

Tudo começara em 1781, quando o réu foi enviado para o Brasil, deixando como meio de subsistência a D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira duas folhas de papel com a sua assinatura, para que a dita pudesse mudar de procuradores, caso fosse necessário. No entanto, segundo o réu, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira utilizou os papéis para conseguir uma procuração e tratar dos papéis do casamento de ambos, sem que este soubesse, o que efetivamente conseguiu após a morte do pai do réu. Por esta razão, o réu acusa D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira de utilizar estratagemas ilícitos e falsos para ficar casada com ele.

Sem saber destes subterfúgios, o réu casou com D. Ana Joaquina Tomásia, na freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Rio Pardo, em 1791, e com ela teve dois filhos. O caso de bigamia foi descoberto devido à morte do tenente general governador e à sua consequente substituição pelo brigadeiro engenheiro Francisco João Rossio, que encontrou um requerimento feito por D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira, pedindo a Sua Alteza que enviasse o seu marido de volta para junto dela por estar a passar necessidades, uma vez que ele há muito não lhe mandava sustento. O requerimento nunca foi atendido por descaso do dito governador.

Manuel José da Silva e Menezes, tesoureiro geral das tropas e testemunha no processo, disse saber que o réu tinha deixado 8330 réis em Lisboa, para sustento da sua família. Outra testemunha, Eusébio Manuel António, relojoeiro, atestou já ter ouvido dizer que o réu era casado em Lisboa, e que o próprio havia dito que era mentira e que apenas tinha tido um relacionamento amoroso ilícito com uma empregada sua e que, após a sua ida para o Brasil, um tio da mesma teria fabricado uma procuração falsa e um casamento forjado.

Em interrogatório, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira disse que se casara, havia 24 anos, na freguesia de S. Cristóvão, com procuração do marido feita por António José de Sousa Macedo, escrivão da superintendência-geral da décima. Acrescentou que, com a pressa com que se fez a partida do marido, não se conseguiram casar presencialmente e, por isso, ele lhe deixou duas procurações para esse efeito. Uma era para se casar com ela e a outra para que ela pudesse receber parte do seu soldo para se sustentar. Quando perguntada sobre as cartas, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira disse que as tinha em sua posse e que as apresentaria ao tribunal, o que efetivamente fez. Declarou que, nos primeiros tempos depois de se casarem, o réu lhe mandava muitas cartas com mostras de amizade e dinheiro, mas, nos últimos tempos, não só não respondia às suas cartas como tinha faltado ao seu socorro financeiramente, conseguindo ela apenas levantar o soldo que o mesmo consignou no início. Disse ainda que Simão Estelita, brasileiro, lhe havia proposto, a mando de seu marido, que ela podia ficar com mais dinheiro do soldo se dissesse não ser casada com ele. Ela recusou aceitar o acordo por ser a legítima mulher e, sem sustento, retirou-se para o Recolhimento de S. Cristóvão.

Uma vez que Francisco Pedro Barbosa, tabelião que reconheceu a letra da procuração, e Francisco da Silva Lisboa, procurador e correspondente do réu, já tinham falecido à data do processo, foi impossível comprovar se as cartas e a procuração teriam sido escritas por ele, apesar de serem todas da mesma mão e de se julgar ser a letra de José de Saldanha, como o reconheceram um tabelião e testemunhas. Por esta tazão, do processo não consta nenhuma sentença.

Support três meias folhas de papel não dobradas, escritas no rosto e no verso.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 7050
Folios 31r-33v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2307119
Transcription Leonor Tavares
Main Revision Raïssa Gillier
Contextualization Leonor Tavares
Standardization Raïssa Gillier
Transcription date2015

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Minha Querida Mariana

Esposa do meu Coração, depois q te escrevi a dois de Novembro do anno proximo passado verdade q te não tenho escripto mais, porem o motivo tem sido huma deligencia de grande ponderação, e continuado trabalho, q o Sr Govdor deste continente houve por acertado emcarre-gar-me; sendo o seu objecto e exame partico-lar de varios terrenos de trez Leguas cada hum q os Vassallos de S Magde estão pedindo aos Snrs Vice-Reys; e devendo informar o Sr Govdor, elle confia nos meus informes imparciais, e de justiça, a vista dos quais quer formar os seus. para eu executar isto tem-me sido necessario recorrer imnumeraveis Leguas d' esta nossa Fron-teira; de tal - sorte , q ainda á poucos dias me recolho da campanha depois de ter gasto quarenta e seis dias, e tranzitado perto de duzentas Leguas pelas voltas, e d' aqui a quin-ze dias torno a sahir a outro Giro, pa as ban-das do Ro Grde a concluir com outras duzen-tas Leguas o exame pedido. Por outra parte sou obrigado a ouvir com toda a atenção e miu-deza aos Pertendentes, q ou seja no campo, se-guindo-me, ou nas Povoações, não me deixaõ.

bem certo, q isto me tem dado huma grde estimação pla dependencia, q todos de mim tem, porem pouco, ou nenhum Lucra pela inteireza, e rectidão com q me porto com estes Fazendeiros.

As incessantes correspondencias de mim com o Sr Govdor, q ainda existe em Missões na ins-pecção da 2a Partida da Demarcação, ou a do Sr Cel Roscio e Joaqm Felis, me gastão o resto do tempo: assim bem a pressa vou a fazer este Coro pa essa Cide, vendo tu pela circunstancia d 'elle, q eu até tenho posto de parte os meus proprios intereces.

Sinto como devo, e como nal á Lembrança do nosso antigo amor o progresso da tua mo-lestia, e estimarei tenhas adquerido o descanço verdadro, q te dezejo, e q a Ds pesso.

Em quanto á falta de dros, que tens experimen-tado, não sou eu o culpado, todos os meus amos, e Procuradores são ainda a maior cauza: com efficacia pedi á annos ao Gabriel no Ro de Janro, remette-se pa essa corte, ou ahi man-da-se dar a quantia de cem mil rs; e jámais o fez não obstante eu lhe mandar dizer q lhos tinha levado em conta, e feito acento nas minhas minhas contas porem vendo eu, q elle assim assim não executava, e antes pelo contrario hera prompto em pagar naquella cide do Ro de Janeiro qlqr||qualquer quantia de q eu lhe passava Lettra daqui, escrevi, e fiz avizo ao Sr Lisboa pa q no cazo de q não tive-se chegado a essa corte alguma remessa de dro pr ma conta; passa-se elle, ou algum sugeito, q lhe fize-se conveniencia huã quantia de cem mil rs no Rio de Janeiro a fa-vor do seu Procurador, e sobre os meus soldos e ao do Gabriel Frco Braga, como meu Pro-curador: não o tem feito, e pr concequencia nada se tem conceguido: porem eu tomara q me res-ponde-se o Sr Lisboa, q perdia elle em gastar duas meias folhas de papel, passando 1a, e 2a va de Lettras seguras ao seu amo Frco Pinheiro Guimarãs, e sobre o meu Procurador Gabriel Frco Braga a pagar dos meus soldos, e por incinua-ção ma? A não querer pagar o do Gabriel, o q eu não creio, pois pa esse fim lhe tenho concervado de sobre-celente na sua mão mais de cem mil rs, se perderião as duas meias fo-lhas de papel, e o tempo de as escrever; não se fazendo precizo nem mais protestos, nem mais Letigios; pois héra so com o fim de vêr se pegava este meio de remediar as tuas precizoens.

Histo o q eu agora vou fazer passando da-qui huã Lettra a favor de Frco Pinheiro Guima-rens sobre o meu Procurador Gabriel, e escrevendo aquelle a queira fazer ou pr abono, ou por remessa entregue entregue do seu producto de cem mil rs ao nosso comũ amo, o Sr Lisboa: Ds qra tenha assim o effeito dezejado.

A Patente, q me remettes-te, e q deve sêr o ori-ginal, como me avizas, mto te agradeço; porem ella párá na mão do Gabriel no Rio sem se aprezentar ao Sr Vice Rey, nem á Tezoira-ria, com o receio dos meus amos, não me po-nhão tão-somte no soldo de capm, q vem a ser no Brazil duas vezes dezaseis, e por mil rs por mez, ou trinta e dois, e por conceguinte treze tostoens menos do q venço como Astro-nomo: assim ali se concervará até vir a respta deste meu novo requerimto, q nos da maior emportancia, e vem a sêr o seguinte:

Com as certidões dos meus superiores, q reme-tto agora adjunctas ao Requerimto se deve tornar a falar ao Sr Martinho de Mello pedindo-lhe ou novo accesso, q o q eu mais estimaria, e com cujo soldo remedearia a falta do sol-do de capm ou pedir-lhe me alcance de S Mage o soldo da Patente de Capm, q se paga nessa corte q de desaseis mil rs, alem do de Astronomo, q estou vencendo q de trinta e trez mil e trezentos rs pr mez, a fim de podêr ajuntar ambos; pois q tambem eu me occupo nas duas proficçoes de Engenheiro, e de Astronomo; conforme se praticou com o meu Mestre o defun-to to Dr Ciera, q alem dos soldos q hia vencendo dos novos cargos a q passava, sempre continuava a receber os soldos antecedtes, vindo assim elle a têr trez soldos cada hum de seiscentos mil rs, por anno; quando elle exercia hum dos cargos a q o destinavão, e eu estou, e fico desempenhan-do ao mmo tempo os dois de Engenhro, e Astrono-mo: Ou emfim necessario vêr, a não se po-dêr alcansar qualquer das duas couzas ditas, se se obtem huma ajuda de custo, q será para ti de trezentos, ou quatrocentos mil rs, com a prome-ssa de se continuar a deligenciar o n segte accesso de Major, q Sa Exa te prometteu para mim, e q eu não deixo de merecer plo mto q me empenho em servir bem, e a saptisfação dos meus superiores neste continente. Eu fico na certeza, q qualquer das couzas, requerendo-se com eficacia se podera alcansar, prque nenhum dos meus compos tem tantos serviços no Brazil, como eu, nem attestaçoens tão honrozas do Sr Govdor; assim a tu não poderes andar com este requerimto, q deve sêr continua-do com alguma importunação, e ainda com pro-messa de Luvas a algum secretario do mmo Sr Martinho de Mello, deves procurar Pessoa, q corra com esta dependencia, a qual se paga- o seu trabalho, e cazo se conciga alguma das trez couzas, se lhe darão meia duzia de Doblos

Tu deves emt primro, q couza alguma cuidar na tua saude, e fazendo sabedor ao Lxa. de todas estas pertenções, dedicares-te tão-somte ao curati-vo para este fim fico eu tambem consultando pr aqui os Proffessores de Medecina tanto Portugue-zes, como Hespanhoes, a vêr se assentamos em al-gum remedio proprio para finalizar esses fluxos de sangue; o qual remedio, ou incinuação para curativo Logo q o consiga to remetterei.

Eu continuo com mtas Lidas, e ocupações das mas obrigações, q por cina, ou fado me tocarão; po-rem graças a Ds com saude: e ao mmo Snr pesso te o verdadeiro descanço e socego. Rio Pardo se doze de Março de mil setecentos e noventa e hum.

Teu afectivo Espozo Saldanha

P.S. O requerimento pa S Mage por via do Sr Martinho de Mello, eu me resolvi a reme-tello pla secretaria de Estado do Sr Vice Rey, pr hir mais seguro; a copea d 'elle a adjunta, que te remetto, para saberes como has de falar a S Exa; e na tua impocebelidade manda este rescunho ao Sr Lisboa pa elle diligenciar pr alguem a resposta do Sr Marto de Mello tambem escrevo nesta occazião ao Sr Dr Franzini, e ao Sr Luis de Vasconcellos, Prezidte do Dezembargo do Poço.


Legenda:

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