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Maarten Janssen, 2014-

PSCR0528

1781. Carta de José de Saldanha, militar, geógrafo e astrónomo, para a sua mulher, Mariana Efigénia da Fonseca Pereira.

SummaryO autor dá notícias à esposa dos seus primeiros tempos vividos no Brasil, mostrando-se muito afetuoso e saudoso.
Author(s) José de Saldanha
Addressee(s) Mariana Efigénia da Fonseca Pereira            
From América, Brasil, Rio de Janeiro
To Portugal, Lisboa
Context

As cartas são escritas pelo réu do processo, José de Saldanha. Estando viva aquela que alegava ser a sua primeira mulher, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira, para quem enviou as três cartas transcritas, casou com D. Ana Joaquina Tomásia, pelo que foi acusado de bigamia pela Inquisição de Lisboa. O seu processo trata apenas de diligências de averiguações contra o presumível réu, por assento da Mesa de 30/06/1807, pelo que foi ordenado que os seus autos subissem ao Conselho Geral para deliberação.

Tudo começara em 1781, quando o réu foi enviado para o Brasil, deixando como meio de subsistência a D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira duas folhas de papel com a sua assinatura, para que a dita pudesse mudar de procuradores, caso fosse necessário. No entanto, segundo o réu, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira utilizou os papéis para conseguir uma procuração e tratar dos papéis do casamento de ambos, sem que este soubesse, o que efetivamente conseguiu após a morte do pai do réu. Por esta razão, o réu acusa D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira de utilizar estratagemas ilícitos e falsos para ficar casada com ele.

Sem saber destes subterfúgios, o réu casou com D. Ana Joaquina Tomásia, na freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Rio Pardo, em 1791, e com ela teve dois filhos. O caso de bigamia foi descoberto devido à morte do tenente general governador e à sua consequente substituição pelo brigadeiro engenheiro Francisco João Rossio, que encontrou um requerimento feito por D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira, pedindo a Sua Alteza que enviasse o seu marido de volta para junto dela por estar a passar necessidades, uma vez que ele há muito não lhe mandava sustento. O requerimento nunca foi atendido por descaso do dito governador.

Manuel José da Silva e Menezes, tesoureiro geral das tropas e testemunha no processo, disse saber que o réu tinha deixado 8330 réis em Lisboa, para sustento da sua família. Outra testemunha, Eusébio Manuel António, relojoeiro, atestou já ter ouvido dizer que o réu era casado em Lisboa, e que o próprio havia dito que era mentira e que apenas tinha tido um relacionamento amoroso ilícito com uma empregada sua e que, após a sua ida para o Brasil, um tio da mesma teria fabricado uma procuração falsa e um casamento forjado.

Em interrogatório, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira disse que se casara, havia 24 anos, na freguesia de S. Cristóvão, com procuração do marido feita por António José de Sousa Macedo, escrivão da superintendência-geral da décima. Acrescentou que, com a pressa com que se fez a partida do marido, não se conseguiram casar presencialmente e, por isso, ele lhe deixou duas procurações para esse efeito. Uma era para se casar com ela e a outra para que ela pudesse receber parte do seu soldo para se sustentar. Quando perguntada sobre as cartas, D. Mariana Efigénia da Fonseca Pereira disse que as tinha em sua posse e que as apresentaria ao tribunal, o que efetivamente fez. Declarou que, nos primeiros tempos depois de se casarem, o réu lhe mandava muitas cartas com mostras de amizade e dinheiro, mas, nos últimos tempos, não só não respondia às suas cartas como tinha faltado ao seu socorro financeiramente, conseguindo ela apenas levantar o soldo que o mesmo consignou no início. Disse ainda que Simão Estelita, brasileiro, lhe havia proposto, a mando de seu marido, que ela podia ficar com mais dinheiro do soldo se dissesse não ser casada com ele. Ela recusou aceitar o acordo por ser a legítima mulher e, sem sustento, retirou-se para o Recolhimento de S. Cristóvão.

Uma vez que Francisco Pedro Barbosa, tabelião que reconheceu a letra da procuração, e Francisco da Silva Lisboa, procurador e correspondente do réu, já tinham falecido à data do processo, foi impossível comprovar se as cartas e a procuração teriam sido escritas por ele, apesar de serem todas da mesma mão e de se julgar ser a letra de José de Saldanha, como o reconheceram um tabelião e testemunhas. Por esta tazão, do processo não consta nenhuma sentença.

Support duas meias folhas de papel não dobradas, escritas no rosto e no verso.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Tribunal do Santo Ofício
Collection Inquisição de Lisboa
Archival Reference Processo 7050
Folios 29r-30v
Online Facsimile http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2307119
Transcription Leonor Tavares
Main Revision Raïssa Gillier
Contextualization Leonor Tavares
Standardization Raïssa Gillier
Transcription date2015

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Minha querida Mariana tanto do meu C deste modo q te pertendo encinár, deste modo que te quero confundir, deste modo que me mostro enfadado, e finalmte deste modo q evidentemte te dou a conhecer o meu cuidado, o meu Amor, a ma firmeza, a ma lembrança, a minha saudade; mas talvez ainda me não entendas, porq pode ser que te chegue primro esta á tua mão, do que huã extensa carta q prezentemte te estou escre-vendo pa hir em direitura a essa cide em o primro dos Navios, dos q estão a sair por es-tes quinze dias, nella me queixo amargamte ou pa milhor dizer se queixa o meu sentimto de ver chegar aqui tres Navios dessa terra, q sairão no principio de Março, treze dias depois da nossa partida, e eu me vi sem cartas, e sem noticias algumas.

Imita-me sequér ao menos nisto, emprégo todo o meu cuidado em esquadrinhár modos de te alegrár, e como, supondo-me por mim, acho isto da comrrespondencia o unico ali-vio na Auzencia eu to pertendo dár; eu procuro, eu exami-no por todas as partes as ocazioens de Na-vios, ou pa essa, ou para o Porto: Assim ago-ra como parte este primro do que o que vai para essa, eu fiz parar hum pouco a outra ma carta, emquanto te fazia esta.

A meu Bem, meu Amor Deus permita q tu estejas boa, q tu te devirtas, e que te não tenha faltado couza que alguma, porq todo o meu dezejo, o teu descanço, a tua alegria; Ah ma Cara Menina, se disto eu tivece a certeza; a certeza sim de q te não consómes concervando-me sem-pre o teu fiel Amor, emtão que pode-ria talvez ter refrigerio o meu pezar. Ou-tra Molestia eu aqui não padeço, o Ar são, fertil o terreno, solitarios paceios, a-praziveis á ma melancolia, Dizem que boas Quintas, eu o não duvido, porq tudo aqui são bosques de altos Arvoredos; convivencia aqui não nenhuma, porq se ha Raparigas algumas q sejão boas, o q eu certamte inda não vi, estão escondidas, ou metidas por dentro de miudas Rotulas de q se compoem todas as genellas; De dia não se huma unica Mu-lher branca; de noite o que aparece pellas ruas são algumas das corridas, inda essas de feissimas caras, misturadas com Mulatas outras q tais: emfim tudo máo, e assim deve ser onde falta a ma Mariana. Oh meu Amor se eu te tivéra, de tudo se me da-va bem pouco; ágora que me arrependo de te não ter mandado vir logo depois de rece-bida comigo, para aqui: o meu Amor que me tem reprezentado isto como facil; na Car-ta q agora te estou escrevendo te falo nisso com maiores explicaçoens. Mas eu não sei se o dezejo q me alucina.

Deixame pois concluir esta carta pa tor-nár á outra. Péssote não te esqueças de mim q vejas se podes tãobem escrever pello Por-to; mandando falár nisso ao Lxa, pessote plo Amor de Deus não exprimentes falta algu-ma; porq quèro q avizes ao do Lxa pa q elle te o q precizares, e el me avize pa lho sa-tisfazer. Não digas a ninguem que eu te escrevi agóra porq eu o não posso fazer nem ainda pa caza. Avizame de tudo o q te tem socedido e aDeus Rio de Janro 7. de Abril de 1781.

Mto teu do C Jozê.


Legenda:

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