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Maarten Janssen, 2014-

CARDS7035

1821. Carta não autógrafa de Luís do Rego Barreto, Governador de Pernambuco, para Dom Pedro, Príncipe Real.

SummaryO autor narra ao Príncipe Real sobre como sobreviveu ao atentado dos partidários da independência do Brasil. Dispõe-se a continuar no cargo de Governador de Pernambuco até ser substituído, mas pede que tal substituição não tarde.
Author(s) Luís do Rego Barreto
Addressee(s) D. Pedro Príncipe Real            
From Brasil, Pernambuco, Recife
To Portugal, Lisboa
Context

Este processo é sobre o atentado por parte dos liberais contra o Governador da Província de Pernambuco, Luís do Rego Barreto. Após esse acontecimento, vários presos foram levados para Lisboa e condenados por ajuntamentos sediciosos e premeditação de assassinatos. As cartas aqui transcritas, duas delas do próprio governador, dão a conhecer a situação conturbada de Pernambuco em 1821.

Do processo (fls. 11r-12v) consta também um pasquim oposicionista que circulava em Pernambuco e que tinha o seguinte texto (transcrição paleográfica): «Baiannos: o actual Governador desta Provincia não hé húmano hé um Monstro de iniquidades, que sem consideração a o Rei, nem a Patria tem devorado com os seos indignos consocios os povos, que governa. Elles tem experimentado todos os insultos, que se podem considerar; adultérios de predaçoens, mortandades, e roubos são os relevantes caracteres de gloria que o assignalão. E como há quem se atreva comparallo á Marco Aurélio, e a Tito? Lezongeiro, vil, infame, víbora, e raça de víbora sagrada, que sacerdotte não hés, o seo Heroe hé hum assela fero denominado flagelo de Deos. O Sacrilego abandóno do Templo dos Jezuitas dos Jezuitas hé huma sobeja prova, senão houvessem outras, desta verdade. A guerra do Bonito, a deploravel mortandade de mil inocentes que alí expirarão a ferro, e fogo, opprimidas familias exbulhadas de posse inveterada das suas propriedades: Soares Mete cabeça, Madureira, Belarmino, Patrone, Merme, e outros perpetradores de horrendos crimes contra Deos, contra o Rei, contra a Patria, contra a Relegião, são poderozas testemunhas, são execrandos notórios factos, que o qualificão de tirano. Todavia, Baiannos, os honrados leaes Pernambucanos antes querem acabar a vida que instalarem espontaneamente o Governo Provizional, que Portugal instalara, e vós a imitação delle. Seja, ou não divina a Constituição que as Naçoens eluminadas adoptão, que Portugal inculca, e vós confirmaes, os experimentados, Portuguezes a considerão como hum caudalozo rio de malles que depois de engrossar alagam submergindo toda a face da terra, os Soberanos, os Reis, e mesmo permitasse-me essa expressão a Santa Religião dos Nossos Pais. Socegai Pernambucanos, se Luiz do Rego Barretto vos oprime cedo acabará sua do dominação e despotismo. O braço direito, e esquerdo da Impia estatua já se quebrarão, sua esquentada cabeça já não governa, e as bazes sobre que ella discança pouco a pouco se estão deslocando. Lá, João, Cacemiro, e Soares já não influem, Patrone está rendido de huma verilha resta o sanhudo devulento Merme, que cedo acabará a vida, por ser inimigo jurado de Deos. Socegai Pernambucanos que não melhorareis de sorte, nem de fortuna com o estabelecimento da inculcada regeneradora Constituição, que as maiores auctoridades desta capital por satisfazerem seos fins sinistros a maneira de cegos vos conduzirão, sem concelho, nem deliberação a pedir a El Rei Nosso Senhor no infausto dia trez do corrente Março. Socegai Pernambucános, a sombra das sabias leis de Sua Magestade. Elle acaba de soltar generozamente vossos Pais, filhos, Irmãos, Parentes, Compatreotas, e amigos das horridas masmorras, e prezoens em que jazião, perdoando-lhes outros semelhantes crimes cometidos outra hora sem sem o involucro da constituição. Suplicai humildemente a Deos que torne tenebrozo como a nocte escura o aziago dia dois de Abril que se segue. Oh dor!.. N'esse tremendo dia vereis constetuidos mosntruozos Governadores sem morál, nem relegião, enemigos do Rei, e da Patrea, enfames Mações vindos do inferno, subverdores da boa ordem civil, poletica e relegioza. Praza a Deos, que a verdade seja ouvida!...Baiannos, vos não tendes honra, nem estimação...

Recife vinte e seis de Março de mil octocentose vinte e hum»

Support quatro folhas de papel dobradas, escritas em todas as faces exceto na última.
Archival Institution Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Repository Casa da Suplicação
Collection Feitos Findos, Processos-Crime
Archival Reference Letra F, Maço 65, Número 1, Caixa 130, Caderno 1
Folios 35r-42r
Transcription Ana Rita Guilherme
Main Revision Rita Marquilhas
Contextualization Ana Rita Guilherme
Transcription date2007

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Senhor

Havendo eu desde o feliz dia 3 de Março deste anno dado constantemente a Vossa Magestade parte do successos que tem havido nesta Provincia, não devo (ainda que brevemente terei a honra de escrever mais largamente a Vossa Magestade) deixar passar esta occasião da passagem do Paquete por este Porto sem levar áo conhecimento de Vossa Magestade hum cazo extraordinario aqui acontecido na noute de 21 do proximo passado.

Recolhendo-me as oito horas da noite áo meu quartel entre dous amigos, áo passar a Ponte chamada da Boavista para a Rua do aterro, hum assassino disparou sobre mim a queima roupa hum bacamarte carregado de ballas, e metralha. Corri ainda que muito perigozamente ferido de espada na mão sobre o traidor que se precipitou no Rio: hum dos meus companheiros ficou tãobem mui mal tratado: eu julguei-me, e julgarão os facultativos que me virão, chegado ao ultimo instante da vida; e dei as que entendi minhas ultimas ordens para conservar-se apezar da minha falta a publica tranquilidade, e socego na Praça, e Provincia; para que ao desastre que me acontecera não soccedessem os que estavão premeditados.

Nenhũa outra novidade desagradavel houve, e tudo tem corrido em Paz.

Passadas quarenta e oito horas apareceo boiando no Rio junto ao lugar aonde o assassino se lancou a agua hum cadaver que se julgou ser do mesmo: trazia hũa pistolla carregada metida entre a jaqueta, e a camiza talves estivesse para reforço: ninguem o conheceo por muito disfigurado que estava.

Cumpre-me agora ainda que rapidamente emquanto com mais extenção o não faço, que será muito breve, dar a Vossa Magestade hũa ideia dos motivos que houve para se commetter este attentado; e ultimamente protestar a Vossa Magestade provando-o com documentos que não dei por meu procedimento causa alguã áo dezejado assassino.

me por mais de hũa vez declarei a Vossa Magestade que mal cubertos com o veo de Constituição alguns homens mal intencionados pertenderão fazer aqui reviver o espirito publico que em 1817 se declarou tão funestamente: a maioria dos homens bons, e o Corpo do Commercio em geral temerão por sua segurança; foi-me publicamente requerida a re remossão dos que resuscitarão estas ideias; o frenizi hia subindo de ponto; a inclusão absoluta de Europeos tornava-se odiosissima, e temivel, Attentei pela segurança do Paiz, e separei da Capitania alguns individuos marcados pelo publico, e por elle altamente condemnados: a medida foi julgada arbitraria por os fautores das novas ideias: dissesse que eu ambiciozo de governar, me declarava inimigo dos que dezejavão junta Provisoria: não era assim, porque eu mesmo a tinha em publico offerecido, e depois tornei a fazer como participei a Vossa Magestade e não foi aceita a minha sincera offerta. Comtudo os espiritos escandecidos amainarão até a chegada dos Prezos da Alçada de 1817 que vierão soltos da Bahia.

Es Estes entrarão em triunpho, e como martires da Patria eu os tratei humanissimamente, e lhes mandei dar soldos reintegrando em seus Postos os julgados inocentes: fechei os olhos a alguãs assoadas, mas não se contentarão: accenderão os odios contra os que reputarão terem sido testemunhas contra elles, e os dois partidos de accusadores e accusados de que fim menção a Vossa Magestade occuparão a povoação inteira: todo o meu afan consistio em pedir que estes partidos viessem ás maõs; a firmeza que mostrei desagradou áos que pretendião vingar-se; e desde logo eu fui apregoado por Despota eu sabia que da Bahia (segundo pessôas probas me escreverão) vinhão alguns que tratavão de assassinarme: certo que não tomei maiores cautellas. No Rio de Janeiro corria de plano que na referida Cidade da Bahia se tratava mui seriamente de dar-me a morte; e algumas personagens de consideração que por aqui pasarão me disserão que não esperavão achar-me vivo.

Eu ainda não posso crer, apezar de alguns indicios, que os membros do governo da Bahia tratassem de promover hũa tão vil e criminoza acção; nem delles me queixo posto que soubesse que reinava hum partido por a independencia; mas nunca julguei que este partido existisse nos membros da Junta. O não se haver nesta Provincia abraçado a forma de Governo daquella Provincia não podia auctorizar o dito governo a procedimento algum; porque a pedio; ou fez o povo; e o povo a regeitava aqui. Comtudo depois que vierão os prezos augmentou-se o partido, e poucos dias antes do attentado descubri hũa conjuração cujo objecto era meu assassinio.

Devassou-se, e conheceu-se ser certo: os auctores, ou cumplices forão capturados, mas ficou de fora quem executasse o projecto.

disse a Vossa Magestade a cauza por que não havia Junta Provisoria nesta Provincia, e acrescentar que o povo do interior treme ainda ao ouvir este nome: tão escarmentado ficou dos provizorios de 1817. Os meus inimigos vendo-me (a meu despeito) ainda Capitão General fundavão suas atrocissimas calumnias na minha supposta ambição, e tiverão aso de animar algum frenetico a que me assassinasse.

Nunca se mostrou maior indignação a crime algum do que aqui se mostrarão todos os moradores. As Tropas de 1a e 2a Linha que não ignoravão que o espirito de independencia em o que verdadeiramente se oppunha áo Governo actual, protestarão logo contra alguns individuos condemnados por opinião publica, e pedirão a sua captura, e separação do paiz: os Milicianos se armarão, e julgando-se atacados pelos inimigos da paz, do Rey, e da Constituição, se unirão ao 2o Batalhão do Exercito de Portugal; eu estava nas ancias da morte, e mui difficil me foi moderar os animos, julguei indispensavel acceder a remoção dos chamados Chefes de motim, áos quaes o publico atribuia as desgraças que o ameacavão. Remettto a Vossa Magestade hũa copia authentica da reprezentação que recebi dos Chefes e Officiaes dos Corpos de Linha. O Ouvidor da Comarca vendo qual o perigo em que estavão as authoridades, e os Europeos escreveo-me o officio cuja copia remetto tãobem a Vossa Magestade. Os mesmos Chefes, e Officiaes me pedirão licença para reprezentarem a Vossa Magestade, e a ELRei o Senhor Dom João 6o a situação em que a Provincia se acha. O corpo do Commercio, e o Corpo Municipal me expuzerão os mesmos sentimentos, e ambos se dirigem a Vossa Magestade, e a ElRei. Levo a prezença de Vossa Magestade, e a ElRei os Officios que elles me dirigirão, assim como outras Corporações. Em geral Senhor o povo todo conheceo o que dantes receava, e clamou por medidas de segurança. Eu as dei; e dou ainda como posso. O partido não usou declarar-se por medo; porque julgarão os soccios delle que da minha morte se originaria a desordem, e que com ella elles vinhão a conseguir os seus fins; mas desgraçados elles, se eu não existisse Erão necessariamente victimas da sua atroz loucura, e muito custou assim mesmo vivendo eu a conter a furor das Tropas, e a indignação dos Cidadõis honrados principalmente os dois Batalhões de Milicias compostos de homens estabelicidos, Europeos, que tem que perder, e detesta as dezordens.

Mando para essa Capital os individuos que forão prezos a requezição dos Chefes das Tropas, e do Povo que esteve a ponto de amotinar-se com hum voato que correo de que eu soltava alguns foi precizo declarar publicamente que nenhum dos prezos deixaria sahir: elles sahirão dentro de quatro dias.

As minhas feridas não mostrão perigo de morte: eu affianço a segurança da Provincia: tomarei ainda alguas medidas, que julgo necessarias depois deste soccesso. Vossa Magestade lembra-se da minha situação: precizo hũa força sufficiente para enfrear o genio do mal. Dois dias depois da minha Cathastrofe correo a noticia de que a Bahia se declarava independente: o rumor foi espantozo; não se verificou a nova, mas sim a desunião de opinioes, e soube-se que os Europeos da Bahia têm os mesmos receios que os de Pernambuco.

Senhor. Esta serie de successos creio eu que justifique a minha conducta. Os meus detractores me davão por entrincheirado em minha caza, rodeado de Tropas, e sou atacado a traição em hũa Rua entre dois homens inormes. Chamavão que eu assoberbava, e tiranizava os povos, os povos se declararão altamente por mim, pedem a prizão dos que se desião meus inimigos, e fautores de novidades; as Tropas que nestes tempos tem tido tanta influencia em as mudanças, são as que aqui as não querem. Os homens honrados, e Negociantes, Camara, Corporações de Officios, tudo tem hum unanime sentimento, e protesta contra todas as mudanças que Vossa Magestade não Decretar: isto provado com documentos irrefragaves, são documentos espontaneos, em que eu não posso ser parte, em que não cedução; e como posso eu ceduzir hum povo inteiro.

Nem o attentado movido por hum particular recentimento porque o assassino fallou com alguns individuos (segundo testemunhas) pouco antes de commetter o delicto: quando soou o tiro alguns homens se virão correr em diverssas direcções; dis-se que adiante do lugar aonde fui ferido estiverão embuçados esperando-me para me assassinarem no cazo de o primeiro não poder fazer. O publico ainda não cessa de clamar que este attentado foi urdido na Bahia; mas eu não tenho mais provas do que aquelles indicios, que a Vossa Magestade declarei, e hũa ou outra carta que sei existir em que se profetiza minha proxima morte.

Como levo dito eu espero, que não tar tardando muito hum Corpo de Tropas, conservarei a Provincia em paz, e firme no propozito de união tão suspirada por todos os bons cidadões á cauza da Constituição de Portugal; os meus inimigos clamarão que sou Despota, ambiciozo de Governar: ElRei, Vossa Magestade, e Sua Alteza Real sabem bem que dezejo eu tenho de governar. De novo a Vossa Magestade peço a graça de determinar as medidas necessárias para segurança desta, e de outras Provincias. Eu Senhor requeiro ainda outra vez a minha remoção daqui a ElRei o Senhor Dom João 6o o meu estado de saude que de cada vez se torna mais perigozo me tolhe absolutamente eu continuar a viver neste Paiz; mas protesto a Vossa Magestade que sendo nece necessario darei gostozo a vida pela nossa Patria pela Constituição, e por ElRei Constitucional. Deos prospere e assista Vossa Magestade em seus importantissimos trabalhos para gloria e prosperidade da Monarchia. Recife de Pernambuco 6 de Agosto de 1821

Prosta-ce ante Vossa Magestade Luiz do Rego Barretto

Legenda:

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